quinta-feira, 15 de abril de 2021

CONTO PARA NÃO ESQUECER, Zezé Pedroza

"...foi direto ao morro, mas ao chegar não tinha nada, tinham acabado com o barraco. Os vizinhos contaram que ele fora incendiado no mesmo dia do tiroteio. O capim estava alto e parecia que ali nunca tivera uma construção."

Conto para não Esquecer
Sinopse: Essas são histórias baseadas em fatos reais cujas protagonistas são sempre mulheres que superam com muita garra e determinação as violências sofridas por toda uma vida, dando volta por cima, apesar de dificuldades e da despreocupação de uma sociedade que claramente escolhe e privilegia o ser humano que deve ser feliz, banalizando as menos favorecidas, principalmente aquelas que, além de pobres, são NEGRAS. Entretanto, e apesar de tudo, por instinto são vencedoras e não abrem mão de seus direitos, denunciando, protegendo seus filhos, geralmente menores e dependentes. A mulher veio ao mundo para povoar a terra e não para ser usada e descartada. Subestimar sua capacidade da mulher é falta de inteligência, pois esse ser que rotulam de sexo frágil é bem mais forte do que aparenta. Portanto, ser mulher é já nascer vencedora e fazer suas escolhas, que só dizem respeito a elas, e isso não faz a menor diferença. Apesar da abordagem, os personagens desses contos são fictícios, criados pela imaginação da autora. Assim, qualquer com a semelhança com casos reais seria mera coincidência. Fazer a diferença é mostrar ao mundo a discriminação, o preconceito as mulheres, sofrem e superam. No caso da autora, é pra lembrar. Por isso, são CONTOS PARA NÃO ESQUECER.

Editora: Proverbo | Páginas: 71 | Ano: 2020 | 1ª Edição | Contos; Biografia

Com autoria de Zezé Pedrosa, Conto Para Não Esquecer reúne contos sobre diversas mulheres e suas histórias de luta dentro da realidade brasileira. As narrativas são de linguagem simples e bastante clara, chegam a gerar um impacto no leitor que é confrontado por situações tensas de forma bastante crua. Os relatos são como sentar e conversar com antigas conhecidas sobre suas histórias de vida e perceber que todas elas têm uma coisa em comum: a trajetória de batalha frente as adversidades que se contrapõe, dia a dia, aos sonhos e objetivos que carregam no peito.

A realidade do vício e do tráfico estão presentes em algumas narrativas, mostrando, de maneira escancarada, todo o sofrimento que as famílias, e principalmente as mães, precisam encarar ao ver os filhos sem envolverem em um caminho tão obscuro e que muitas vezes acaba em uma vida ceifada cedo demais.

Penso muito sobre a relevância de obras como essa e a necessidade de que se reconheça a força e a determinação que a mulher tem e tudo o que ela representa na sociedade. Conto para não esquecer inspira, emociona e entristece. Me lembra dos ideais de sororidade e de como precisamos alcançar as mulheres de realidade menos favorecida que se perdem na solidão e incompreensão de um Brasil que não olha para sua população como um todo. É preciso abraçar. 

segunda-feira, 12 de abril de 2021

TERRAÇO ACIMA DO CAFÉ, Rebeca Braga

"O mais interessante da ficção, por mais que ela seja uma fuga da realidade, é que ela imita a vida."


Publicação Independente | Páginas: 318 | Ano: 2020 | 1ª Edição | Romance

Da autoria de Rebeca Braga, Terraço Acima do Café apresenta a protagonista Bae Hara que se muda de sua cidade natal na Coreia do Sul para morar na capital Seul, buscando ficar mais próxima do novo local de trabalho e se dedicar ao mestrado. Além disso, Hara sente, secretamente, que precisa ficar um pouco distante da mãe super controladora, ainda que isso a deixe apreensiva. Ao reencontrar um antigo colega de escola, a personagem descobre o poder do companheirismo e precisa aprender a ser mais transparente com seus sentimentos para não acabar perdendo tudo. Em meio a toda uma confusão emocional, Bae Hara terá que aprender a lidar com as exigências de seu chefe, um autor famoso e de caráter duvidoso, que a sobrecarrega um tanto, e ainda se dedicar ao mestrado que sempre achara ser seu sonho. 


Apesar de não conhecer nada da cultura sul coreana (mesmo com a explosão do Kpop), gostei bastante da ambientação do livro. A autora descreve muito bem as cenas e, se você se desprender da visão americanizada, que é tão presente nas produções que consumimos, fica muito mais fácil se conectar com a aura asiática de Terraço Acima do Café. Rebeca também usa de algumas nomenclaturas e até os nomes dos personagens são essenciais nessa construção. 

Além da escrita fluida e confortável, a narrativa se desenrola em um ritmo bastante agradável. Os segredos são revelados em momentos importantes para a narrativa e o desenvolvimento dos plots se dá de maneira natural, sem deixar tudo pro final do livro e sem atropelar os fatos. A questão da dificuldade de Hara em demonstrar seus sentimentos é trabalhada de uma maneira que não te faz querer bater a cabeça dela na parede: ela dá pequenos passos durante toda a sua trajetória e não há uma mudança repentina na sua maneira de agir. Achei esse ponto muito legal porque mostra que suas reservas são verdadeiras, é uma condição que ela construiu ao longo da vida e que não se transforma com uma simples decisão. 


O relacionamento que se desenvolve entre a protagonista e Min-Ho é apaixonante. É aquele tipo de casal que você torce pra dar certo desde o primeiro capítulo. Min-Ho é divertido, é intenso, é tímido e todo um arsenal de outros adjetivos que fazem ele ser tão perfeito para Hara. É muito bonita a maneira como eles desenvolvem uma parceria e se tornam amigos antes de qualquer coisa. Além disso, ele está sempre elogiando a inteligência e a capacidade incrível que Hara tem de construir narrativas, dando força pra ela continuar fazendo o que ama e sendo fofo em 100% das vezes. 


Com personagens bem construídos, inclusive os secundários (ainda que não tenham tanto destaque), Rebeca Braga entrega um livro com o clichê que a gente ama, mas trazendo um toque especial para ele. É aquela história que você não quer parar de ler, que te faz ficar com medo de alguma coisa dar errado e, por isso, é inevitável devorá-lo para saber como termina essa história de amor e literatura. 

quarta-feira, 7 de abril de 2021

MINHA SOMBRIA VANESSA, Kate Elizabeth Russell

"Muitas das minhas lembranças daquela época são difusas, incompletas. Preciso que ele preencha as lacunas, embora às vezes a menina que ele descreve pareça uma desconhecida."


⚠️ATENÇÃO: a obra contém gatilhos em torno de abuso de menores, estupro e manipulação psicológica. Leitura não recomendada a quem possa se sentir sensível a essas temáticas. 


Editora: Intrínseca | Páginas: 432 | Ano: 2020 | 1ª Edição | Drama


O livro conta a história de Vanessa, uma garota de 15 anos que, um tanto solitária, se vê envolvida pelo seu professor no colégio interno. Temos idas e vindas no tempo que mostram o passado, quando esse envolvimento acontece e o presente, em que Vanessa precisa lidar com as consequências disso e vê outras garotas que passaram pela mesma situação buscarem por justiça. A grande questão é que para a protagonista, não há justiça a ser feita, uma vez que considera todo o ocorrido uma história de amor.
A primeira metade da leitura foi muito difícil pra mim. O "relacionamento" que se desenvolve entre Vanessa e o professor Strane é muito explícito e as manipulações psicológicas que ele faz com ela são muito reais, tanto que o leitor se sente enojado. Apesar da personagem acreditar que o ama e que quer fazer aquilo, o texto de Russell deixa evidente o quanto ela está sendo induzida na relação, manipulada a, inclusive, acreditar que foi ela que começou as investidas ao professor e não o contrário. Strane é odioso. Age como um verdadeiro predador, plantando a ideia de que Vanessa é diferente das outras, de que ela é mais madura que as meninas de sua idade e tem algo de especial. Mostra em suas fantasias sexuais o quanto ele é imundo e criminoso, infantilizando a aluna e se afastando dela conforme vai ficando mais velha, mais mulher, o que evidencia que o seu grande desejo não é por Vanessa e sim por meninas em idade escolar.


É impossível pensar em Minha Sombria Vanessa e não relacionar com os milhares de casos de abuso de menores que acontecem diariamente no Brasil. O mais triste disso tudo, é saber que a maioria dos abusadores não chega à justiça e a única pessoa que sofre com as consequências é a vítima. Não é normal um homem de 20, 30, 40 anos querer um relacionamento com uma menina de 15. Se você está passando por uma situação parecida ou conhece alguém que está, não se silencie, disque 100 e faça uma denúncia.

"É estranho saber que, toda vez que eu me lembrar de mim aos quinze anos, é nisso que vou pensar."