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quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

O CONTO DA AIA, Margaret Atwood

“Talvez eu não queira saber de verdade o que está acontecendo. Talvez eu prefira não ter conhecimento. Talvez não possa suportar o conhecimento. A Queda foi uma queda da inocência para o conhecimento.” 

Editora: Rocco | Páginas: 368 | 2017 | 1ª Edição | Distopia

É muito curioso ter tanto a dizer sobre O Conto da Aia e não saber como colocar isso em um post. Há algum tempo venho me engajado em consumir conteúdos que tragam uma reflexão em torno do papel da mulher na sociedade, mas nenhum bateu tão forte quanto essa leitura. O livro acompanha Offred/June, uma mulher que teve sua liberdade tirada de si, assim como todas as mulheres situadas em Gilead. O país passou por transformações devido à baixa natalidade e que tiveram como suporte dogmas religiosos extremistas. Dessa maneira, Offred se torna uma aia, a pessoa cuja única função social é dar à luz a um bebê que será entregue à família do comandante a que serve.

Entre reviravoltas e acontecimentos perturbadores, Atwood faz com que uma realidade completamente absurda se aproxime muito da nossa sociedade atual. Em pequenos diálogos e atos hediondos, percebemos o quanto a mulher ainda é vista por muitos como obrigada a ter filhos, ainda que não queira, porque "esse é o nosso destino biológico". Outros estereótipos, como as Marthas, estão presentes na obra. A mulher que deve cozinhar, a mulher que deve ser esposa, a mulher que deve dar frutos... Até mesmo as mulheres que se encontram em uma posição, mínima, de poder são o espelho da opressão e da silenciação feminina.

Adorei a maneira como a autora construiu essa narrativa. De início tudo parece descritivo demais, mas aos poucos vamos sendo envolvidos e nos adaptamos a ver as coisas pelos olhos de Offred de maneira que parece estarmos, de fato, acompanhando seus pensamentos. Essa foi a minha última leitura de 2020 e achei um ótimo fechamento de ano. Mesmo já tendo assistido a série, a leitura é sempre outra experiência.

Segue a Sinopse Oficial:

"O romance distópico O conto da aia, de Margaret Atwood, se passa num futuro muito próximo e tem como cenário uma república onde não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes. As universidades foram extintas. Também já não há advogados, porque ninguém tem direito a defesa. Os cidadãos considerados criminosos são fuzilados e pendurados mortos no Muro, em praça pública, para servir de exemplo enquanto seus corpos apodrecem à vista de todos. Para merecer esse destino, não é preciso fazer muita coisa – basta, por exemplo, cantar qualquer canção que contenha palavras proibidas pelo regime, como “liberdade”. Nesse Estado teocrático e totalitário, as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes. O nome dessa república é Gilead, mas já foi Estados Unidos da América. Uma das obras mais importantes da premiada escritora canadense, conhecida por seu ativismo político, ambiental e em prol das causas femininas, O conto da aia foi escrito em 1985 e inspirou a série homônima (The Handmaid’s Tale, no original), produzida pelo canal de streaming Hulu em 2017. As mulheres de Gilead não têm direitos. Elas são divididas em categorias, cada qual com uma função muito específica no Estado. A Offred coube a categoria de aia, o que significa pertencer ao governo e existir unicamente para procriar, depois que uma catástrofe nuclear tornou estéril um grande número de pessoas. E sem dúvida, ainda que vigiada dia e noite e ceifada em seus direitos mais básicos, o destino de uma aia ainda é melhor que o das não-mulheres, como são chamadas aquelas que não podem ter filhos, as homossexuais, viúvas e feministas, condenadas a trabalhos forçados nas colônias, lugares onde o nível de radiação é mortífero. Com esta história assustadora, Margaret Atwood leva o leitor a refletir sobre liberdade, direitos civis, poder, a fragilidade do mundo tal qual o conhecemos, o futuro e, principalmente, o presente."

- NOLITE TE BASTARDES CARBORUNDORUM -

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

A PEQUENA SEREIA E O REINO DAS ILUSÕES, Louise O'neill

"A água é nossa força vital, corre em nossas veias, transformando nosso interior em um sal abençoado. Não devemos desperdiçá-la chorando."




Pequena sereia e o Reino das Ilusões é uma releitura do conto original da Pequena Sereia de um ponto de vista que busca refletir questões em torno da opressão sobre as mulheres.

Editora: Darkside | Páginas: 224 | Ano: 2019 | 1ª Edição | Fantasia

   O livro conta a história de Gaia (ou Muirgen), uma sereia que acaba de completar seus 15 anos e que divide com suas irmãs mais velhas o título de Princesa dos Mares. Apesar da visão romântica que conhecemos da Disney, o livro se baseia mais no conto original de Hans Christian Andersen, trazendo uma atmosfera sombria para a história contada por Louise O'Neill. 
   Desde as primeiras páginas, percebemos que Gaia se incomoda com a forma que as coisas funcionam no reino de seu pai, se sentindo oprimida por suas regras e exigências que obrigam a ela e às demais mulheres da corte a se comportarem de maneira podada e reclusa. Seus sentimentos são intensificados por ter sido prometida a um homem muito mais velho, com quem deverá se casar ao completar 16 anos. Não bastassem todas as questões subjetivas, a sereia se questiona sobre a morte de sua mãe, buscando respostas além das que seu pai lhe dava, já que no fundo ela não confia na sua palavra e percebe que há uma manipulação no que ele diz.
  Tudo muda quando Gaia, ao subir à superfície pela primeira vez, presencia um naufrágio e, por sentir algo que nunca havia sentido antes, salva um humano do afogamento, colocando-a em confronto com as Salkas, seres marinhos que já foram humanas, mas pela maldade dos homens acabaram se transformando em criaturas sombrias que buscam vingança. Esse conflito pode gerar problemas gigantescos para o reino, uma vez que as Salkas são aliadas à bruxa do mar, com quem o Rei dos Mares já nutria certo conflito.

“Monstros ou sereias? Talvez as Rusalka sejam as duas coisas. E talvez, no fim, não sejam nenhum dos dois.”

   O medo de que seu pai descubra sobre o seu ato de misericórdia faz com que Gaia se submeta a algumas situações traumáticas e a única coisa que a mantém esperançosa é a possibilidade de reencontrar o humano por quem se encantou e de saber a verdade sobre sua mãe. Assim, ela toma a decisão de procurar a Bruxa dos Mares para selar um acordo que a daria pernas, para acessar o mundo humano, em troca de sua voz. A partir daí, a narrativa foca no sofrimento de Gaia com as pernas humanas que lhe causam uma dor excruciante e também na tentativa de conquistar Oliver apenas com sua beleza e graciosidade.

  O livro se vende como um livro feminista, no entanto, Apesar das reflexões que a edição traz em torno da opressão feminina, dos padrões de beleza e do comportamento imposto às mulheres, peca ao não representar união entre as irmãs (entre as personagens femininas, de modo geral) e em vender a ideia de vingança contra os homens. O livro brilha com as cenas em que Ceto (a bruxa do mar) aparece, completamente dona de si, confortável em seu corpo fora de padrões e poderosa.

"É o seu pai que tem insistido em me chamar de Bruxa. Este é simplesmente o termo que os homens dão às mulheres que não têm medo deles, às mulheres que se recusam à submissão."

 O comportamento da personagem principal é bem compreensível ao considerarmos que ela é uma garota de 15 anos que passou a vida condicionada a agir de determinada maneira e que quer sua liberdade, mas acaba presa a um homem que pode não ser o que ela imagina (quantas histórias parecidas vemos no dia a dia?). Não me espanta que ela tenha se empoderado tão pouco ao longo do livro, mas me incomoda que, quando isso acontece, é em forma de vingança, o que vai contra os valores do feminismo. Porém, isso não diminui a relevância das reflexões levantadas pela obra, importantíssimas para que nós, mulheres, compreendamos o local que ocupamos na sociedade e a força que todas possuímos. 

"E viver genuinamente é a coisa mais importante que qualquer mulher pode fazer"


    A edição dessa obra está maravilhosa, com uma capa sensacional e de uma delicadeza sem tamanho, mas não se deixe enganar por ela, há situações muito sombrias narradas no texto de Louise O'Neil, como estupro, abusos sexuais, e a própria descrição das feridas que surgem nas pernas de Gaia. 
  Desta forma, percebemos uma aproximação muito maior entre o livro e o conto de Andersen do que com a versão produzida para crianças com a protagonista de cabelos vermelhos.
  Apesar de compreender que a temática de vingança das mulheres contra os homens não é uma relação que o feminismo cultive, a inserção das Rusalkas (ou salkas) foi um ponto muito interessante do livro e eu gostaria de ter visto mais detalhes sobre elas. Felizmente, o próprio blog da editora fez uma postagem detalhando a origem das mesmas e a maneira como a autora a trabalhou em A Pequena Sereia e o Reino das Ilusões. Você pode acessar clicando na imagem ao lado.

Ainda que não tenha sido um 5 estrelas (talvez 4), a leitura foi muito satisfatória e indico para todos que amam sereias e que querem compreender melhor o sentimento de opressão das mulheres dentro da sociedade. 

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