"A água é nossa força vital, corre em nossas veias, transformando nosso interior em um sal abençoado. Não devemos desperdiçá-la chorando."
Pequena sereia e o Reino das Ilusões é uma releitura do conto original da Pequena Sereia de um ponto de vista que busca refletir questões em torno da opressão sobre as mulheres.
Editora: Darkside | Páginas: 224 | Ano: 2019 | 1ª Edição | Fantasia
O livro conta a história de Gaia (ou Muirgen), uma sereia que acaba de completar seus 15 anos e que divide com suas irmãs mais velhas o título de Princesa dos Mares. Apesar da visão romântica que conhecemos da Disney, o livro se baseia mais no conto original de Hans Christian Andersen, trazendo uma atmosfera sombria para a história contada por Louise O'Neill.
Desde as primeiras páginas, percebemos que Gaia se incomoda com a forma que as coisas funcionam no reino de seu pai, se sentindo oprimida por suas regras e exigências que obrigam a ela e às demais mulheres da corte a se comportarem de maneira podada e reclusa. Seus sentimentos são intensificados por ter sido prometida a um homem muito mais velho, com quem deverá se casar ao completar 16 anos. Não bastassem todas as questões subjetivas, a sereia se questiona sobre a morte de sua mãe, buscando respostas além das que seu pai lhe dava, já que no fundo ela não confia na sua palavra e percebe que há uma manipulação no que ele diz.
Tudo muda quando Gaia, ao subir à superfície pela primeira vez, presencia um naufrágio e, por sentir algo que nunca havia sentido antes, salva um humano do afogamento, colocando-a em confronto com as Salkas, seres marinhos que já foram humanas, mas pela maldade dos homens acabaram se transformando em criaturas sombrias que buscam vingança. Esse conflito pode gerar problemas gigantescos para o reino, uma vez que as Salkas são aliadas à bruxa do mar, com quem o Rei dos Mares já nutria certo conflito.
“Monstros ou sereias? Talvez as Rusalka sejam as duas coisas. E talvez, no fim, não sejam nenhum dos dois.”
O medo de que seu pai descubra sobre o seu ato de misericórdia faz com que Gaia se submeta a algumas situações traumáticas e a única coisa que a mantém esperançosa é a possibilidade de reencontrar o humano por quem se encantou e de saber a verdade sobre sua mãe. Assim, ela toma a decisão de procurar a Bruxa dos Mares para selar um acordo que a daria pernas, para acessar o mundo humano, em troca de sua voz. A partir daí, a narrativa foca no sofrimento de Gaia com as pernas humanas que lhe causam uma dor excruciante e também na tentativa de conquistar Oliver apenas com sua beleza e graciosidade.
O livro se vende como um livro feminista, no entanto, Apesar das reflexões que a edição traz em torno da opressão feminina, dos padrões de beleza e do comportamento imposto às mulheres, peca ao não representar união entre as irmãs (entre as personagens femininas, de modo geral) e em vender a ideia de vingança contra os homens. O livro brilha com as cenas em que Ceto (a bruxa do mar) aparece, completamente dona de si, confortável em seu corpo fora de padrões e poderosa.
"É o seu pai que tem insistido em me chamar de Bruxa. Este é simplesmente o termo que os homens dão às mulheres que não têm medo deles, às mulheres que se recusam à submissão."
O comportamento da personagem principal é bem compreensível ao considerarmos que ela é uma garota de 15 anos que passou a vida condicionada a agir de determinada maneira e que quer sua liberdade, mas acaba presa a um homem que pode não ser o que ela imagina (quantas histórias parecidas vemos no dia a dia?). Não me espanta que ela tenha se empoderado tão pouco ao longo do livro, mas me incomoda que, quando isso acontece, é em forma de vingança, o que vai contra os valores do feminismo. Porém, isso não diminui a relevância das reflexões levantadas pela obra, importantíssimas para que nós, mulheres, compreendamos o local que ocupamos na sociedade e a força que todas possuímos.
"E viver genuinamente é a coisa mais importante que qualquer mulher pode fazer"
A edição dessa obra está maravilhosa, com uma capa sensacional e de uma delicadeza sem tamanho, mas não se deixe enganar por ela, há situações muito sombrias narradas no texto de Louise O'Neil, como estupro, abusos sexuais, e a própria descrição das feridas que surgem nas pernas de Gaia.
Desta forma, percebemos uma aproximação muito maior entre o livro e o conto de Andersen do que com a versão produzida para crianças com a protagonista de cabelos vermelhos.
Apesar de compreender que a temática de vingança das mulheres contra os homens não é uma relação que o feminismo cultive, a inserção das Rusalkas (ou salkas) foi um ponto muito interessante do livro e eu gostaria de ter visto mais detalhes sobre elas. Felizmente, o próprio blog da editora fez uma postagem detalhando a origem das mesmas e a maneira como a autora a trabalhou em A Pequena Sereia e o Reino das Ilusões. Você pode acessar clicando na imagem ao lado.
Ainda que não tenha sido um 5 estrelas (talvez 4), a leitura foi muito satisfatória e indico para todos que amam sereias e que querem compreender melhor o sentimento de opressão das mulheres dentro da sociedade.
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